"Caso você queira posso passar seu terno,
aquele que você não usa por estar amarrotado."
Estou contando os riscos na parede do quarto. Ao que tudo
indica, falta pouco para fechar o terceiro mês do resto da vida. Falta pouco
pra, daqui um mês, ser teu dia. Falta muito pra que eu te esqueça, Rebeca. O
tempo parou, o tempo voou e eu continuei aqui, riscando fininho atrás das
cortinas pra que ninguém soubesse o que eu fazia tão quieta.
"Se de noite fizer aquele tão esperado frio
poderei cobrir-lhe com o meu corpo inteiro.
E verás como minha a minha pele de algodão macio,
agora quente, será fresca quando janeiro."
Dois olhos cansados, dois adeuses. A palavra no plural fica
tão feia que as pessoas costumam falar como se existisse um só. Eu já não te
vejo há tanto tempo que tenho medo de ter esquecido do teu perfume e até mesmo
do teu cheiro, tanto aquele do pescoço, quanto um outro que eu nunca falei, que
ficava na região perto da cintura, um pouco abaixo, entre o ossinho e o umbigo,
bem no ventre onde eu gostava de deitar e ficar te olhando enquanto me contavas
alguma história. Eu te namorava por horas até tu me mandar subir porque me
querias mais perto. Entre o subir e o sumir só muda uma letra, Rebeca, como a
vida pode ser tão sádica? Tão perto e tão longe? Como foi que se chegou a esse
ponto de preto e branco sem perfume nem volta mais? Como é que a banda, a
música, os gostos e os carinhos passam a não ser, deixam de, desistem? Eu não
entendo como te deixei deslizar por entre as minhas coxas assim, sem tentar te
segurar, por medo que, se te segurasse, ficasses sufocada e corresses.
Já não peço colo pra qualquer um, já não ando na rua te procurando
porque sei que é inútil a procura, sei que não existe a chance de esbarrar
contigo. Sabe quando a gente sai ansiosa, preocupada e até querendo encontrar
de alguma forma? Salta um ponto antes, faz um caminho diferente, qualquer coisa
tá valendo pra que, assim, meio sem querer, a gente cruze os olhares na rua de
novo e dê aquele frio na barriga que não é igual com mais ninguém mesmo que a
gente tente se enganar que talvez sim, talvez seja, quem sabe logo?
"Mas quando for a hora de me calar e ir embora
sei que, sofrendo, deixarei você longe de mim."
Passei por tudo. Passei por cima, pelos lados, em volta. Fiz
tudo o que me foi mandado fazer desde ignorar até tentar beijar outra pessoa e
o que aconteceu? Um vazio enorme e uma estupidez sem tamanho. Sobrou aperto no
peito, vontade voltar atrás, ser como tu querias, mudar tudo em mim, mudar tudo
em tudo. Mas é tão difícil mudar a gente, né? Parece que dói, mas no fim dói
menos do que perder um pedaço. Ou não. Depende o pedaço. Tem gente que não vale
nem o esforço, nem a boa vontade. Mas eu tô aqui, me doendo até pra respirar,
jogando a bandeira branca, dizendo que chega! Que pra mim deu, Rebeca! Eu não
tenho mais forçar pra remar contra a maré! Então olha aqui, eu vou só deitar nesse
canto e esperar inundar. Enquanto eu ainda dou pé, te escrevo. Enquanto eu
ainda te escrevo, sinal de que as coisas dão pé, ou ainda podem dar. Só não
esquece, pequena, que de iceberg eu não tenho nada, porque aqui tá mais pra
Vesúvio. E que eu não sou de água, eu sou de terra.
"Não me envergonharia de pedir ao seu amor esmola,
mas não quero que o meu verão resseque o seu jardim."
Tu valias – e vale – a pena. Aliás, o bolo inteiro.
3 comentários:
Presentinho de Natal!
Obrigada (?)!
Vc alcança o mais profundo estado das palavras!
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