https://www.youtube.com/watch?v=oIIxlgcuQRU
Um-metro-e-setenta-e-tantos de vida deixados pra lá. É a
única coisa na qual eu consigo pensar agora, enquanto tento repousar a cabeça
triste no travesseiro. Eu preferia te conhecer de novo a não te conhecer
jamais. E preferia te escrever obrigatoriamente todos os dias, nem que só uma
frase qualquer, do que ter que te lamentar como um hematoma no meu peito,
doendo esmagado, doendo sufocado, doendo bem fundo como uma criança cutucando o
machucado em carne viva.
O pedaço de vida que não se quer deixar passar. A voz
gostosa que se quer pra sempre e o olhar serrado pra fazer morada antes de
pegar no sono. Esquentaria cara dedinho seu sem reclamar, desde que tu me desse
uma luvinha cheia de pelinhos e amor. A vida sempre cobra demais da gente, pra
que cobrar tanto dela? Não precisa devolver na mesma moeda, eu disse.
O dia que tu foi embora, eu lembro, me agarrei no teu braço
e te olhei bem dentro dos olhos como quem diz – não me deixa, não, que me
deixar é perder tempo demais. Que eu sou frágil e posso ir a qualquer hora. Me
aproveita bem, fica aqui comigo ou corre atrás de mim antes de eu me ir, só não
me deixa, não! – Mas aí tu me deixaste, não sei, não lembro bem se ir ou se
foi, só dá pra saber que sozinha, sem beijo. Tinha chuva, vento, sal, choro,
tudo o que tinha que ter ali, tinha, só não tinha tu. Eu me sentei e esperei
até o fim do dia pra ver se tu me vinhas com uma surpresa dizendo que tava tudo
bem, mas eu fui dormir sozinha pra não acordar nunca mais com ninguém.
O coração fica no meio do caminho, entre ficar com ele na
mão e saltar pela boca. Cada vez que eu piso naquele lugar ou passo por aquela
rua é como se me arrastasse os joelhos num asfalto quente. Eu nunca passei por
isso, mas imagino que deva doer muito. É uma dor tão grande que já não dói mais
só dentro, parece que sai rasgando encarnado pele afora. Corta as pernas, as
costas, os ombros até sair outra e outra e outra de mim e nenhuma é melhor ou
mais bonita.
E sobre me amar me deixar e me mentir? A gente ama e não se
quer bem mesmo sabendo que existe a morte. A gente não faz questão da
felicidade mesmo sabendo que num fiozinho furta-cor se encaixa toda essa coisa
de vida. Quando a gente tem muito orgulho e não sabe ainda que existe um adeus
de verdade, a gente se aventura a se machucar só pra ver o quanto que pode
doer, o quanto que vai aguentar. Uma hora a gente vê a última vez e nem imagina
que é a isso mesmo. Não olha direito. Não abraça. Não sabe nem que nunca mais
vai sentir aquele cheiro. E ainda, como se tivesse direito, tenta se lamentar e
reclamar depois. Uma hora esquece de tudo e não dá mais pra voltar.
A vida só dá
permissão de perdão, não de replay.
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