segunda-feira, 7 de março de 2011

Milagre.


"Vem, ó calma, para os meus braços. A tarde já caiu, a noite já caiu e eu estou tão só. Venha, musa do sono, vem sem remédios e sem canções. Venha, ó calma, que não possuo: nina meu corpo, toque meu cabelo, faça com que meus sonhos não sejam velhos. Calma, quero-te em meus braços, no meu coração, quero ser você, quero ter você, quero morrer."


Vamos quebrar pratos e a cara. Lançaremos vidros de caros perfumes uma na outra e o cheiro perpetuará pelos cômodos. Nos odiaremos e sangraremos até pensar que morremos. Uma ficará só - como sempre foi. A outra bem - ou mal - acompanhada, como nunca deixou de ser. 
Nos amaremos em silêncio, por debaixo dos panos e dos lençóis. E plantaremos sementes de todos os tipos de flores em terras secas e inférteis. O que esperamos? Esperamos que nasçam milagres. 
Nos xingaremos e cuspiremos, com nojo, uma na outra. As mesmas salivas ácidas que um dia foram trocadas em beijos. Puxaremos nossos cabelos longe da cama. Nos empurraremos contra as paredes, desta vez sem tesão, mas com raiva. Desejaremos a morte e o esquecimento uma da outra. Sumiremos na fumaça dos cigarros mal apagados. 



"- Mas a música que toca em meu peito é tão agitada... Não quero Pessoa, não quero Cervantes, não quero palavras nos livros, as que conduzem à disfarces. Quero o pensamento solto, quero deitar
na cama e pensar livremente. Não quero lembrar de traições. Não quero lembrar de nada. Quero a amnésia da pura calma. Não quero invejas, não quero rancores, não quero Baudelaire. Quero o pensamento azul, deitar-me em lençóis brancos e ter na alma margaridas de miolos amarelos. Não quero que meus versos sejam belos, não quero poesia. Pronto! Não quero mais poesia, porque não quero mais nada."



Trairemos nossas vontades em outros corpos. Juraremos amor eterno para dentro. Incubaremos nosso amor até virar doença ou deixar de sê-la. Tomaremos remédios como se fossem nos salvar no sono que nos prometem. Nos doparemos de coisas azuis que antes eram dispensáveis e vermelhas. 
E ao final, quando estiveres me dando as costas novamente, eu te direi:
- Numa próxima vez, quando sentires que estás quente por dentro, fervendo, em ponto de ebulição, querendo explodir comigo - no mal sentido - ou com o mundo... lembre-se de ligar o ar-condicionado do coração. 


"- Mas a música... Nem mesmo a inteligência, nem a cultura, nem a beleza que, dizem alguns, ser minha. Não quero o amor que me deixou assim.
- ...que toca em meu peito...
Não me venha com desculpas, não me venha com flores que você gosta. Quero só a calma de quem consegue dormir.
- ...é tão agitada."

Nenhum comentário: