quarta-feira, 19 de abril de 2017

Cedo Demais O Amor Ensurdece

Entrou sem bater. 
Quando você diz não e o não ressoa fundo em mim e acabo tonta sem entender o porquê. O porquê de tantos nãos seguidos depois de um fim. Vai ser melhor assim, eu sei, vai por mim. Foi só isso, isso e só ali sentada enquanto nem me olhava, por um outro meio, do outro lado da tela. Ocupada demais pra me ver e dizer que talvez, que calma, quem sabe, nos olhos e na pele é diferente. E o não ecoa fundo até quando?
Elena era mulher assim, expulsava da vida, mas não aturava a expulsão. Tá mais que bem demais pra voltar pra um caos que nem existiu. Nessas horas a gente para, olha e vê que o conturbado e o atacado é que agita a vida, porque insegurança é muito mais pesado. Elena era mulher de sustentar o caos dos outros, mas jamais aceitar o medo. E eu fui covarde muitas vezes e quis fugir.
Tudo tem a hora certa. Ela passou por mim diversas vezes e era como se nada iluminasse o caminho, mas o destino veio e pronto!, me colocou para reger uma orquestra que, no fundo, era muito melhor que o maestro. Aquela orquestra precisava de mim só pra ter pra quem olhar, não porque fosse necessário. Um desvio de foco da partitura. E parte tua era tudo o que eu queria ser. 
Tão cautelosa em cada pisada que já me perdia em quem era eu e quem eu precisava ser pra te fazer esquecer que tudo passou e o que ficou era amor, mas não era. Nunca foi amor o que foi sentindo. Nem perto e nem longe, só nunca. E meus medos em estragar tudo, um tudo que não existia.
Elena não aceitava os nãos da vida, quanto mais os desafios. Era do tipo "vida sossegada, sombra e água fresca", não se tentava a querer ir além porque o além era improvável aos olhos dela. Aos olhos e ao coração. Tudo muito raso, sem mundo nem fundo. Elena piscou os olhos e desfez tudo num sono profundo e devastador dentro de si. Outro mundo, outras pessoas. Ela não tinha foco, dispersava e amava a todos, no fim não amava ninguém. Creio que nem a sí sabia ainda amar.
Quando a conheci, Elena vestia sapatos vermelhos combinando com o batom e o esmalte. Não sabia ao certo que aquela mulher, mesmo parecendo tão frágil, fosse também tão sem contexto. Ela me falou de assuntos, muitos, todos os possíveis em menos de uma hora. Me contou de viagens, de casos, todos os que teve e que passaram e o quanto remoía algumas situações. Elena se afundava na cerveja e me pedia o isqueiro enquanto tagarelava sem parar. E eu ali, um ser inerte, ouvindo mas nem tanto. No final da noite borrei o batom daquela mulher.
Elena gritava, chorava, sumia! Elena não era de se confiar, pois não sei nem se ela existia. As vezes a procurava - e ainda procuro - até mesmo dentro dos armários ou tento ouvir algum sussurro perdido no espaço tempo. Inútil. Ela desapareceu quando o amor começou a surgir. Amor? O carinho, quando o carinho cresceu. E não é de se fugir disso, carinho todo mundo quer, todo mundo dá. Ou talvez só pareça ser assim pra mim, e agora sou eu quem vos falo. Não sei em que momento, em qual ponto chegamos, onde nos perdemos. Não entendo como aconteceu, não andamos tanto assim, e mesmo agora já não faço questão de entender. Confuso? Mas a fumaça, a chuva, os gritos, os choros, as acusações faziam Elena já não sumir mais do mundo, mas de mim. Evaporando aos poucos, sendo bebida em taças de vinho bom ou nem tanto, a cada suspiro e respiração profunda fui me perdendo. A gente foi se perdendo porque o caminho do oposto é assim, enquanto você escolhia o lado pra qual ia, eu corria para o lado contrário. E aí vem o problema! O problema é que eu não busquei ter Elena de volta, por ela não precisar de uma casa e por eu já não ser morada suficiente pra ela. E assim ela desapareceu em algum dia, durante a neve, do mesmo jeito que surgiu. 
Quanto a orquestra e os te amos sussurrados medrosamente durante as noites, pois bem! Eu, por medo, parti. Por medo de ser mandada embora, de desafinar uma orquestra com meu pouco dom eu parti assim, sem deixar sinfonia nenhuma que fosse, mas levando o som de cada corda de violão e o timbre de cada te amo pelo dia, porque amor nunca é demais e as lembranças sempre ficam perdidas, em algum lugar, pra a qualquer hora serem buscadas.

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