Para ler ouvindo:
https://www.youtube.com/watch?v=C_C23JCduok
Elisa, há quanto tempo não te
encontrava nessa vida. Ainda te lembro com as pernas pro alto, lendo o livro e
fumando o cigarro, depois brincando com a fumaça que soltava. Eu não imaginava,
Elisa, que tu irias brincar assim comigo também.
I was talking to you
and I knew then it would be
a life
long thing
Lembro de cada flor na saia e de
cada fio desgrenhado do cabelo alisado, um pouco enrolado, amarrado bem no alto
da cabeça e de como gostava de ficar assim, olhando o mundo de cabeça pra baixo
pra dizer que as coisas estavam todas no lugar, porque o certo mesmo é pisar em
nuvens e tentar tocar um céu duro, que nunca cai. O chão dando a sensação de
infinito. Lembro de cada ideia, Elisa, cada absurdo de ideia que falavas
enquanto nem me conhecias. Eu, ainda ali com meus trinta anos, meio maduro
demais, meio judiado demais, meio curtido demais tipo um whisky. E tu ali, nos
teu vinte e quase nada, nadinha mesmo, olhando as folhas meio verdes, meio
amarelas se esgotarem com o tempo e desistirem, acabando caindo em cima de ti.
Aprendi muito cedo que por amor não
se sofre, Elisa. Paixão, sim. Paixão até dá pra dar uns tragos em alguma bebida
barata, se afundar em uns botecos, sair sem rumo, andando meio de lado e mal
sabendo o número da casa. Mas por amor, não. Eu já bebi demais nessa vida, e me
perdi no caminho pra casa várias vezes, mas quando chegou a vez de te perder
pros mundo eu criei um espaço tão grande de esperança bem aqui dentro, no meu
cérebro miúdo, e talvez tenha também esvaziado algumas garrafas e fumado alguns
cigarros na ideia de te esquecer um pouco, ou de ter coragem de apagar tudo.
Percebi que pra certas coisas eu não sou covarde, não!
Perder pro mundo, mas quem não
sabia? Um dia uma moça me parou e pediu pra ler a minha mão, eu não entendo
nada dessas coisas e ela foi logo pegando e dizendo: vejo uma moça de olhos
cansados, vai te dar um mundo de sonhos... e eu fiquei esperando mais e ela
disse: dez reais e vejo mais coisas. Logo abri a carteira e entreguei. A moça
disse: vão ser felizes mas parece que não vai... já esteve mais.... E foi aí que
eu desisti. Talvez ali tivesse sabido sobre o nosso futuro, porque aqueles
olhos eram teus, e disso eu não tenho dúvidas.
Signo de ar, quantas vezes me
avisaram: cuidado, vai logo se dispersar. Cuidado, não prende muito. Cuidado,
não gosta de cobrança. Mas eu não sou de me policiar, nem muito cuidadoso
Elisa, eu sou só um cara perdido por aí, inseguro que só, talvez intenso em
algumas partes e aí eu te assustei ou te entediei. Mas me desculpa, Elisa, eu
só queria te proteger e concretizar aquele mundo de sonhos que eu lembro que tu
tinhas um caderninho onde escrevias e desenhavas coisas que querias fazer. Uma
sala branca, um quadro pintado pela pequena, eu lembro exatamente, Elisa. Só
não gostava do amarelo. Eu sou terra com água, perigoso demais misturar essas
coisas com ar e mais todos os meus psicotrópicos, não é?
Elisa, meus dedos não cansam de te
escrever. Teus dentes, teu colo e até quando reinavas comigo por algo que nem
existia. Mas lembro que escrevestes coisas pra mim também, entre poemas, canções,
cartas e bilhetes em papeis amarelinhos. As vezes penso que gostavas de mim.
Nós poderíamos escrever um livro com a nossa história e faltaria palavras pra
mostrar o quanto foi e é bonito dentro de mim, talvez em outra parte, não sei.
Pode ser ali no pulmão, ou no coração. Talvez entre eles junte um vermelho e
azul formando uma cor púrpura bonita pra se pensar nessa história, eu não me
lembro muito das aulas de Biologia.
Esses dias, Elisa, eu bebi tanto
que fui parar numa ponte. Uma ponte velha que tem por aqui. Imagina você que a
ponte estava interditada porque uma moça pulou de lá, Elisa? Que vida de má
sorte, porque falar azar só chama coisa ruim, e de ruim já basta o resto. Mas
mesmo com o resto eu tenho agradecido, não sei pra quem, acho que a mim mesmo
por aguentar essas coisas, e a moça que se jogou da ponte também. Se não fosse
ela, eu teria atravessado aquela ponte toda, inteira, só pra ver qual a
sensação de desafiar a vida. Talvez eu cansasse no meio do caminho e, vai
saber? Ponte não é poço, né? Poço é onde eu tô agora, tentando ser puxado pra
fora, mas tem tanta pedra nesse meu pé que tá osso, viu? Tá osso conseguir
escalar as paredes até alcançar a mão de alguém.
Meus olhos não cansam de te
lembrar, nem minha alma de te escutar, Elisa, mas a gente divergiu e pra ti não
era pra ser, e pra mim era o início sendo escrito, mesmo que em linhas tortas,
pra se tornar algo muito raro e bonito. Era uma “coisa” mais que possível, mas
a escolha foi feita. Então eu fico aqui, saudoso, mas não apaixonado. E sem
sofrer. Nunca deixe de sorrir, Elisa. E nem de sentir.
Com carinho e saudade.
I don't, didn't think
we'd end up like
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