segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Quando Os Dedos Tremem

"A gente se arrisca porque gosta de chorar de vez em quando."

Dos tempos em que eu ainda brincava de ser tua e no teu corpo eu fazia valsas com os dedos até te apertar a nuca. Existia ali uma mulher integra, completa, inteira. Jamais houveram por aí partes minhas, tu não serias o primeiro a levar algo.

Do tempo em que eu me pintava, bailarina, e saía por aí dançando, girando e agradecendo os aplausos imaginários. Meus longos cabelos em um coque e me enrolava, nua, na cortina de voal da sala de estar enquanto corrias atrás de mim me chamando de branquela com um cobertor a tiracolo pra me proteger dos vizinhos. Corrias e não me alcançavas, pois como fadinha pequena que eu sou me escondia por entre as folhar e pequenas mobílias. 

Me chamavas então boneca e eu pinta e pintava e pintava os lábios de vermelho um pouco rosa grená. Tu sabes, não sabes? O rosa grená que eu tinha nos lábios. E de quando eu acordava, camaleoa, japonesa de lábios fartos e tu me puxavas por entre as coxas pra mais perto de ti e me beijava a boca. 

Houveram tempos; tempos escaços onde eu não te tive um dia sequer. Houveram tempos de cheia, onde eu te via em qualquer esquina que não muito longe do meu coração onde viravas assim mesmo sem pontuação assim mesmo sem fôlego a rua principal e sumias por entre a multidão que faz morada ali.

Houve um tempo em que fui tua e tu, por incrível que pareça, fosses meu. Nessa época fazíamos lanches e levávamos pro pátio, pra rua, comíamos na companhia dos cachorros, eu ainda de pijama branco, com os seios meio que aparecendo no translúcido tecido fino e tu sem camisa nem pudor. E nos beijávamos e corríamos para dentro onde eu me jogava na cama só pra me perguntares o quê, exatamente, eu estava pretendendo com aquilo? 

Nossos tempos, nossas épocas. Eu fui uma mulher fina, fui doce, fui sobremesa, fui áspera, fui ríspida e fui rápida em ver quando eu deveria partir. Os venenos já eram fortes demais e eu já não tenho idade pra me apaixonar. Corramos o risco ou fujamos logo antes que o verde apareça? 

Você.. tu que passastes por tantos momentos por aqui, tu que sofrestes tantos tormentos junto à mim hoje é só a lembrança bonita da saia rodada guardada no guarda-roupas. Você, homem. Você que quase me arrancou suspiro. Você que quase. Você quase me levou ao altar. Você... eu já não sei nada, já não sei mais, eu já não reconheço mais você.


"E se arrisca mais forte ainda porque gosta de sorrir também,
digo eu, que não gosto (nem um pouco) do verbo prender.
Prender o riso.
Prender o choro.
Prender o grito.
Prender o verbo.
Faz a gente deixar de ser a gente."

3 comentários:

Anônimo disse...

Tuas palavras não me deixam sequer pensar que podem existir outras tão significativas e marcantes...

Anônimo disse...

Te vejo em cada parte tua de escrever... Quão lindas, tu e as palavras que te acompanham?

Anônimo disse...

Pois e não é que esta pequena se torna um verdadeiro gigante ao escrever?! Suas palavras gritam o mais alto que se possa ouvir! Não sei como parabenizá-la por esse dom.