domingo, 16 de janeiro de 2011

Singular.

"Por escolha ou fatalidade, pouco importa, ele pode pensar em você. Todos os dias. E, ainda assim, preferir o silêncio. Ele pode reler teus bilhetes, procurar o teu cheiro em outros cheiros. Ele pode ouvir as tuas músicas, procurar a tua voz em outras vozes. Quem nos faz falta, acerta o coração como um vento súbito que entra pela janela aberta. Não há escape. Talvez, ele perceba que você faz falta e diferença, de alguma forma, numa noite fria. Você não sabe. Ele pode ser o cara com quem passará aquele tão sonhado verão em Paris. Talvez, ele volte. Ou não."




Estou morrendo e você nem sabe, cara. Me falta o ar, me falta um lar e você nem sabe. Talvez nem lembre que eu ainda existo. Talvez nem procure saber. Minhas veias já não conseguem deixar passar o sangue que de vermelho agora se tornou roxo. Roxo como a tristeza, como a falta de oxigênio que ficou em mim. Eu estou partindo sabe Deus pra onde e você nunca vai saber.
O destino da gente não é calculado, acontece. Aconteceu, cara, assim como você aconteceu em minha vida. Assim como acontecemos.


Te escrevi isso em um bilhete. Um bilhete de papel reciclado. Você foi me visitar, pegou a minha mão e entrelaçou os dedos. Olhou fundo nos meus olhos. Minha mãe te disse que há tempos não os via brilharem. Você me disse que não deveria ter sido como foi, mas era tarde demais.


Estamos no quarto, você seca as gotas que ainda escorrem pelo meu corpo, me traz um comprimido, diz pra que eu me agasalhe. Quanta bobagem não fosse o olhar de pena que remetes à mim. E dói mais do que quando eu respiro com dificuldade. Eu já estava doente quando estávamos juntos e não quis dizer porque você ficaria comigo por piedade e eu não suporto isso.
Fui encontrada estragada, coração sujo, mãos sangrando, os pulsos arrebentados. Você chorava por ver aquilo, você queria limpar toda a sujeira e despistar qualquer coisa que deixasse claro o crime. Eu me matei.
Me abraça forte que a dor não passa. Me abraça até que o meu corpo entre no seu. Me inspira e não expira nunca mais. Diz que vai passar, diz que eu vou voltar, fala que vai voltar.
A luz entra pela janela e me cega. O seu brilho me ofusca. Eu tenho medo de sair pela rua demonstrando felicidade. Você com essa mania de jogar seu charme para o mundo. Você nessa gana de conquistar tudo e todos. Por que o meu amor não bastou?
Eu me jogo contra a parede, bêbada. Um copo de whisky na mão, um copo de whisky no chão e eu pisando sobre os cacos. Você não olha e se envergonha. Minhas veias saltam tentando reviver, minhas mãos tremem. Eu te peço mais um cigarro, que negas. Você diz que vai embora. Fica mais um pouco - eu desejo em silêncio - comigo. Você pega suas chaves e sai. Eu tento equilibrar as saudades com a ponta dos meus dedos. Eu faço um quatro com as pernas e caio. Sozinha, no chão, não choro. Procuro por um dormonid, não acho. Procuro por qualquer coisa que me faça apagar e esquecer de tudo, de tudo depois que te conheci, pra não sofrer tanto. Pra não me frustrar tanto. Eu não te fiz feliz.


Eu sou fraca, tão fraca como linha. Você dizia me amar, mas amar por duas horas não é amor. Por onde você anda mesmo? Qual era o seu lugar? Nômade. Eu te amei. Tudo o que a gente precisa é isso, não é? Amor. Não tendo amor partimos pra Roma. Eu estive afundando, talvez agora de novo. Eu, que tantas vezes estive no raso pra poder te puxar do fundo.
Anos de convivência. Não somos monstros, não fizemos nada para usarmos esse termo. Nós deveríamos ter nos perdido mais cedo. Prolongar a dor é masoquismo, mas um sempre renascia pro outro. Um sempre puxava o outro. Agora eu estou assustada. Você partiu, você saiu pela porta após ligar pela madrugada pra sua nova menina. Em menos de tres semanas, tres mulheres. Você ligou e partiu e eu fiquei aqui, assustada, com a certeza de que eu devo seguir adiante, ir em frente, sem nós dois. Quem vai sofrer mais? Quem amou mais? Eu só precisava de alguma coisa, algum sentimento que talvez nem exista. Talvez só sejam as veias que não jorram mais sangue. Talvez seja só você que não joga mais beijos. Talvez fosse a falta de uma carta, de um bilhete, de um eu te amo no escuro, do fundo da alma, sendo claro.
Agora o verbo se conjuga no singular. Sou eu. Eu sem tu. Tu com ela.
Estou morrendo e te matando em mim.

5 comentários:

Fabianny de Alencar disse...

Nós é muita gente.





Mas é que parece uma fome isso tudo.

Fabianny de Alencar disse...

Talvez justamente porque quando tenho parece demais que não consigo mais ter. Como se o mecanismo tivesse se desgastado e não funcionasse mais.

Acho que quebrei. Só estou assim, quebrada.

Sunflower disse...

Como diz a música:

I am human and I need to be loved, just like everybody else does.

Prefiro a versão do Morrissey.

Beijas

marcio markendorf disse...

já me fiz muitas vezes essa pergunta - 'por que o meu amor não bastou?'. não consegui encontrar respostas que tratassem da falta dele, mas sim do excesso. nos tempos de hoje, tristemente, as relações estão cada vez mais líquidas, instáveis, superficiais. cada vez que você dá uma braçada a mais em direção ao fundo da vida de alguém, um terrível recuo surge da parte de lá. e quanto mais queremos nos afundar no corpo do amor, mais a terra do outro parece se encher se securas e desertos. e o mais triste de tudo, o mais difícil de tudo é que o amor, o amor que nós sentimos nunca se acaba. podemos alardear destruição e esquecimento como processo de cura. no entanto, o amor sempre vai estar lá, no fundo, pois o amor não se acaba, apenas se acalma. e só.

Fabianny de Alencar disse...

Mas eu gosto quando a vida parece sonho. Vale a pena.